“Não se pode lidar com pessoas da mesma forma como se opera uma máquina”. Com essas palavras, a juíza convocada Martha Halfeld Furtado de Mendonça Schmidt modificou parcialmente a sentença para condenar uma empresa de transportes ao pagamento de uma indenização no valor de R$10.000,00, por ter submetido um motorista carreteiro a frequentes jornadas exaustivas. Na avaliação da 1ª Turma do TRT-MG, que acompanhou o entendimento da relatora, ficou comprovado que a jornada de trabalho excessiva e habitual imposta ao trabalhador prejudicou o seu convívio familiar e social e impediu o seu direito ao lazer e descanso, repercutindo de forma negativa nas suas relações interpessoais e nos seus projetos de vida, o que caracteriza dano existencial.

Conforme apurou a relatora, a jornada imposta ao reclamante era: das 14h de domingo até às 20h de segunda-feira, com intervalo intrajornada diário de uma hora; às terças e quartas-feiras de 04h às 20h, com intervalo intrajornada de uma hora; quinta-feira, das 04h às 0h, com intervalo intrajornada de uma hora; aos sábados de 07h às 10h. A magistrada considerou essa jornada extenuante e em manifesto e expressivo descompasso em relação ao limite de duas horas extras diárias estabelecido no art. 59 da CLT, o que não pode ser tolerado. Ela observou que ficou demonstrado que o trabalhador não usufruiu regularmente dos intervalos interjornadas, tornando ainda mais gravoso o regime de trabalho concretamente definido na relação jurídica mantida entre as partes. Nessas circunstâncias, salientou a julgadora que o regime imposto pela empresa implicou deterioração das condições de trabalho, a repercutir inclusive na esfera de vida pessoal e privada do trabalhador.

De acordo com as ponderações da magistrada, as regras sobre duração do trabalho têm caráter protetivo, razão pela qual são irrenunciáveis, uma vez que garantem a saúde, a higiene e a segurança do trabalhador. “As horas extras objeto da condenação representaram sim válida contraprestação da força de trabalho vertida pelo obreiro, em caráter suplementar, em prol da atividade econômica. Todavia, não reparam o desgaste físico e psíquico extraordinário imposto ao demandante bem como a privação do lazer e do convívio familiar e social, sendo manifesto, inclusive, nas condições observadas, o cerceamento do seu direito fundamental à liberdade”, completou.

Em seu voto, a relatora destacou a importância do lazer, da segurança e da saúde na vida de qualquer trabalhador, e expressou a sua preocupação com a ocorrência de situações tão comuns como a do motorista carreteiro submetido a jornadas extenuantes de forma habitual. Os riscos da profissão somados ao cansaço do motorista representam uma ameaça tanto para ele como para terceiros: “Realço que, ativando-se o autor como motorista carreteiro, a imposição de jornadas em patamar que representa quase o dobro do limite legal põe em risco não somente a vida do trabalhador, mas de todos os outros motoristas usuários da via”, ponderou.

Citando trechos do Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas à de Escravo, editado pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (MTE) em 2011, a julgadora ressaltou que essa forma de precarização do trabalho se enquadra na descrição do art. 149 do Código Penal, que trata da pena para quem “reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva (…)”.

Ao finalizar, a magistrada enfatizou que o poder diretivo do empregador encontra limite nos direitos da personalidade. “Acima do lucro está a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CR), princípio fundamental que confere embasamento à ordem constitucional vigente”, concluiu.

PJe: 0010057-97.2015.5.03.0081-RO

 

Fonte: www.trt3.jus.br

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