Procuradores do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro (MPT-RJ) alertam para os impactos negativos que o Projeto de Lei (PL) 4.330/2004 – que regulamenta a terceirização – poderão gerar no combate ao trabalho escravo e no cumprimento das cotas para pessoas com deficiência. Caso aprovada, segundo procuradores, a proposta representará um retrocesso nas conquistas trabalhistas.
Conforme explica a procuradora do trabalho Guadalupe Couto, integrante da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) do MPT, ao possibilitar a terceirização da atividade fim das empresas, o PL vai dificultar a responsabilização de grandes grupos pelo uso de trabalho escravo. Hoje, grandes empresas subcontratam empresas menores para realizar suas atividades fins.
Quando se verifica a utilização de trabalho análogo ao escravo nessas pequenas firmas subcontratadas, é possível responsabilizar a grande marca – que é a real beneficiária desse tipo irregular de contratação – com base no argumento de terceirização irregular da atividade fim. “Com a aprovação do PL, os direitos trabalhistas serão precarizados. A terceirização da atividade finalística passará a ser legal, o que vai dificultar a responsabilização dos verdadeiros beneficiários do trabalho escravo”, alerta Guadalupe Couto.
Segundo a procuradora do trabalho, as pequenas empresas que exploram o empregado, em geral, não têm recursos ou patrimônio suficientes para arcar com as indenizações devidas às vítimas resgatadas de condições análogas a de escravo. Por isso a importância de se chegar às grandes empresas, que se beneficiam do trabalho dessa mão de obra por meio de terceirização irregular. “Em procedimentos, verificamos a existência de trabalho escravo, sobretudo, nos setores de confecções e construção, em razão da terceirização e de subcontratações”, ressalta.
De acordo com dados do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), entre 2010 e 2013, nas 10 maiores operações de resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão, quase 3.000 dos 3.553 casos envolviam terceirizados. No caso de óbitos durante o serviço no setor elétrico, em 2013, perderam a vida 61 terceirizados, contra 18 empregados diretos. Na construção de edifícios, foram 75 falecimentos de terceirizados num total de 135 mortes.
Em nota técnica encaminhada pelo MPT a líderes do Congresso, o órgão alerta para o perigo das regras previstas no PL acarretarem aumento de acidentes de trabalho, em função da terceirização irrestrita em atividades nas quais se verifica maior ocorrência de acidentes entre terceirizados. O risco é maior em áreas que demandam treinamento intenso, formação técnica específica e rígido controle das condições de segurança e saúde no trabalho, “requisitos não ofertados, como regra, pelas terceirizadas”, alerta a nota. “O PL representa um retrocesso de anos na luta pelo trabalho digno”, afirma a procuradora do trabalho Carina Bicalho, representante no RJ da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret) do MPT.
Cota – Outra conquista que será afetada com a aprovação do PL 4.330 é a chamada Lei de Cotas (Lei 8.213/1991), conforme explica a procuradora do trabalho Lisyane Motta, que é coordenadora nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho do MPT (Coordigualdade).
Atualmente, a legislação determina que toda empresa com 100 ou mais empregados reserve de 2% a 5% (dependendo do total de funcionários) das vagas para pessoas com deficiência. Com a possibilidade de terceirização de todas as atividades, incluído as finalísticas, as companhias podem não alcançar o número mínimo de funcionários e, dessa forma, não terão obrigação de contratar o percentual definido por lei.
“A terceirização que está sendo proposta é um desastre para o cumprimento da Lei de Cotas, uma ameaça para o direito à inclusão e para as políticas afirmativas”, ressalta a procuradora. A Câmara deve encerrar a votação da proposta na próxima semana. Depois, o texto ainda será apreciado pelo Senado.