O Projeto de Lei nº 4330/2004 da Câmara dos Deputados, sob pretexto de regulamentar o trabalho terceirizado, é visto por alguns setores da sociedade como um sopro modernizante nas relações de trabalho, proporcionando segurança jurídica e reduzindo o custo Brasil.

Contudo, uma leitura cuidadosa do projeto e suas emendas, em cotejo analítico com as estruturas gerais do direito laboral, demonstra que, ao revés, o projeto não é modernizante e nem discute com honestidade os gargalos do direito do trabalho. Sua finalidade é simples e objetiva: a redução gradativa dos direitos dos trabalhadores, por meio da construção de uma teia de relações jurídicas incongruentes, com o fito de afastar mesmo o trabalhador e suas reinvindicações de qualquer possibilidade de barganha.

Lendo açodadamente o projeto e suas emendas, um analista incauto poderia pensar que o projeto em nada ofende ou reduz os direitos trabalhistas. De fato, o trabalhador terceirizado tem garantidos no projeto direitos fundamentais, como limitação de jornada, FGTS, aviso prévio, recolhimentos previdenciários e etc. Aliás, modificações do projeto tornaram a empresa tomadora dos serviços, pra quem efetivamente o trabalhador presta serviços, a responsável pelos recolhimentos previdenciários e fundiários, ao contrário do que ocorre hodiernamente.

Contudo, a análise do projeto tem de se fazer sob o prisma da estrutura do direito do trabalho vigente no Brasil e, sobretudo, com fulcro na experiência do já existente trabalho terceirizado em atividades meio.

Em primeiro plano, o direito do trabalho, ao contrário do senso comum, é dinâmico e se perfaz cotidianamente mediante as negociações coletivas entre empregados e empresas; sindicatos e empresas; entre sindicatos de trabalhadores e de empregadores. Ademais, o direito do trabalho se perquire, no âmbito das relações individuais, por meio das vantagens adquiridas ao longo do contrato de trabalho que, em favor de cada trabalhador, vão se acumulando ao longo do tempo, integrando o patrimônio jurídico do empregado.

O fato é que as relações laborais não se confundem com simples contratos civis, em que se presumem igualdade de condições. Neste sentido, as negociações coletivas assumem importância vital. Ora, o trabalhador sozinho não tem a menor condição de postular a melhora das condições de trabalho. Neste aspecto, a sua vinculação a grupos de trabalhadores dentro de empresas ou vinculação sindical garantem-lhe força suficiente para vencer o poderio econômico do empregador.

A terceirização, que pode pelo projeto de lei ser quase infinita, isto é, uma teia sem fim de empresas interpostas, afasta todo o qualquer tipo de possibilidade de identificação do trabalhador com uma entidade sindical ou com um grupo de trabalhadores que possam coletivamente barganhar direitos. O patrão, efetivo tomador dos serviços dos empregados, lidará com uma empresa, um contrato, não mais com trabalhadores, suas famílias e necessidades.

A barganha sindical, por fim, vai pulverizar-se, uma vez que a vinculação do empregado a determinado sindicato depende, em regra, da atividade econômica desempenhada pelo patrão. Ora, um empregado de banco vincula-se à categoria dos trabalhadores de bancos. A que categoria vincular-se-á o empregado que trabalha numa empresa a qual presta serviços de fornecimento de mão de obra para atividades bancárias? A atividade dos bancos e da empresa interposta são diversas. No caso da indústria, a senda é ainda maior. Um metalúrgico é aquele que trabalha em empresa de metalurgia, setor industrial. A empresa que fornece mão de obra para desempenho de metarlurgia é do setor de serviços.

Como se vê, a lei criou o verdadeiro samba dos direitos trabalhistas enlouquecidos!

Afora a identidade de classe e sindical, o aspecto econômico em face da acumulação de direitos dos trabalhadores em seus contratos de trabalho, penderá, como a experiência demonstrou, para a preferência do empresariado pelo trabalho terceirizado, subcontratado em detrimento da relação direta com o empregado. O projeto permite, inclusive, que o empregado, prestando serviços para o mesmo tomador, possa ser seguidamente dispensado e contratado por seguidas empresas que prestem serviços ao mesmo tomador. Contratos distintos, em tese, que não trariam a possibilidade de cumulação de direitos, tais como irredutibilidade salarial, prêmios e bonificações e etc.

Há o aspecto lógico. As contratações terceirizadas, que impõem entre o trabalhador e o empregador empresas interpostas, não podem em nenhuma circunstância ser mais benéficas para o empregado. Ora, é simples de aferir que num determinado patamar salarial e de benefícios pagar diretamente ao trabalhador seu salário e os encargos deles decorrentes é mais barato do que se houver a necessidade de, ainda, um terceiro auferir lucro dessa relação. A vantajosidade da terceirização só pode decorrer, obviamente, do envilecimento das condições salariais e de todo e qualquer custo que se possa ter com o trabalhador.

No âmbito do Estado, os agentes político-partidários, com o recrudescimento das possibilidades de terceirização, certamente terão novas perspectivas de lucro com a corrupção. Nas empresas públicas, sociedades de economia mista e outras atividades do Estado, que já estão permeadas pela terceirização, os concursos públicos serão substituídos, certamente, pelos pregões e concorrências viciadas, sempre em favor de empresas escusas e de políticos mal intencionados, em desfavor do trabalhador. A propina terá novos dutos para escorrerem dos cofres públicos!

Por fim, a legislação não tem nada de modernizadora. Os gargalos do direito do trabalho, a que chamam custo Brasil, não decorrem dos direitos trabalhistas, mas do altíssimo custo de impostos e contribuições, sobretudo em face do pequeno empreendedor. Este em nada se beneficiará. Valendo-se ou não de empresa interposta, terá custos demasiados e sem garantias de proteção contra abusos de empresas de interposição de mão de obra.

A lei é só mais um acochambramento, mas que pode ter a longo prazo consequências nefastas na vida, na renda e na qualidade de vida dos trabalhadores de classe média e pobre, nunca dos ricos.

Fonte: http://nicolasbasilio.jusbrasil.com.br/artigos/179792742/terceirizacao-nao-e-modernizacao?ref=topic_feed

Posts Relacionados