Em um mundo cada dia mais conectado, o grande desafio individual e coletivo da sociedade é dosar com qualidade e sabedoria o uso do tempo, principalmente, das pausas e dos descansos previstos na jornada de trabalho. Ainda mais levando em conta as mudanças catalisadas pela pandemia, que evidenciou como rotinas e tarefas não estão todas exatamente associadas ao espaço físico do escritório e podem ser perfeitamente executadas por diversos tipos de profissionais e equipes remotas em teletrabalho.

Em um mundo cada dia mais conectado, o grande desafio individual e coletivo da sociedade é dosar com qualidade e sabedoria o uso do tempo, principalmente, das pausas e dos descansos previstos na jornada de trabalho. Ainda mais levando em conta as mudanças catalisadas pela pandemia, que evidenciou como rotinas e tarefas não estão todas exatamente associadas ao espaço físico do escritório e podem ser perfeitamente executadas por diversos tipos de profissionais e equipes remotas em teletrabalho.

É inevitável que, nesse contexto, surjam questionamentos envolvendo garantias jurídicas sobre o que se convencionou chamar “direito à desconexão”. A França, por exemplo, em 2016, criou uma lei para regulamentar a questão. No Brasil, o ordenamento jurídico atual possui dispositivos que garantem o descanso remunerado do trabalhador e já há jurisprudência específica sendo formada. Para entender como a legislação trabalhista brasileira tem tratado o tema, o Núcleo de Comunicação conversou com a juíza titular da 3ª Vara do Trabalho de Taguatinga e presidente da Anamatra, Noemia Aparecida Garcia Porto.

Segundo ela, o arcabouço constitucional e infraconstitucional dispõe sobre a duração do trabalho ao limitar a jornada de trabalho a 8 horas diárias e 44 semanais, assim como estabelece descansos de 15 ou 30 minutos, ou ainda de 1 a 2 horas, a depender da duração do trabalho e da negociação coletiva. Além dessas previsões, ainda há o descanso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos, com duração de 24 horas, bem como o intervalo entre as jornadas e a regulação das férias.

“É desse conjunto normativo que advém o direito à desconexão. Talvez o que não exista seja o uso literal dessa expressão, mas isso não é relevante quando a normatividade operante é suficiente para a compreensão constitucional e legal da ideia de que o elo laboral não é e não pode ser o único a ditar o ritmo de vida das pessoas”, explica a magistrada. No entendimento da juíza, o direito à desconexão se traduz como aquele que diretamente se relaciona com o limite de jornada para permitir ao trabalhador a fruição do tempo livre.

Impor restrições ao uso de ferramentas tecnológicas é necessário, na visão da juíza Noemia Porto, para delimitar com mais clareza a divisão entre tempo de trabalho e tempo de descanso, principalmente, nas condições de vida atual que demandam conectividade quase que constante e que tornam porosos e fluidos os limites entre espaço e tempo da casa e espaço e tempo do trabalho. “Na sociedade do presente, mundial, aberta, hiperinformada, complexa e plural, o tempo se torna uma questão central, uma experiência simultaneamente coletiva e particular, e, no limite, um bem precioso, diante das incontáveis demandas da vida privada, da vida em sociedade e da vida no trabalho. Os excessos, no campo laboral, podem levar ao adoecimento, à exaustão e ao sofrimento”, reforça a magistrada.

Gestão do tempo

Cabe também aos empregadores e aos gestores de equipes coibir excessos e evitar que se instale um meio ambiente de trabalho – seja ele físico ou mesmo remoto – no qual os profissionais não consigam se “desconectar” efetivamente de suas atividades nos períodos de descanso da jornada. Na prática, talvez seja o grande desafio das relações de trabalho atuais. De acordo com a juíza Noemia Porto, no entanto, é viável, a começar pela adoção de uma política empresarial transparente quanto aos horários de trabalho, à disponibilidade esperada do trabalhador e ao respeito ao descanso.

“Seria relevante adotar iniciativas de formação e de qualificação das trabalhadoras e dos trabalhadores voltadas à gestão do tempo. É possível acrescentar, ainda, que gestores e gerentes não podem exercer os respectivos cargos apenas na perspectiva da cobrança por resultados, e, sim, precisam organizar a força de trabalho de modo a que os primados constitucionais e legais sejam respeitados. Isso é relevante porque ambientes laborais respeitosos são propícios à maior produtividade quantitativa e qualitativa e são fatores decisivos para a diminuição dos índices de absenteísmo”, frisa.

Provas digitais

Um sinal de que a Justiça do Trabalho tem colocado o “direito à desconexão” na pauta do dia é que recentemente o Tribunal Superior do Trabalho (TST) formou jurisprudência sobre o tema para permitir que uma trabalhadora obtivesse direito de ser indenizada por ofensa ao “direito à desconexão”. Além disso, a Súmula 428 determina o pagamento do sobreaviso quando houver “violação à desconexão ao trabalho”. Na esteira desse debate, começam a surgir discussões na comunidade jurídica sobre formas de coleta de prova digital.

“Assim como a tecnologia conecta, ela registra. As marcas, ou os rastros deixados pela conexão, podem se converter em elementos probatórios de excessos que tenham sido cometidos ao se exigir uma disponibilidade da trabalhadora e do trabalhador para além dos limites constitucional e legais”, defende a juíza Noemia Porto. Hoje, na opinião da magistrada, o julgamento de ações trabalhistas sobre a matéria enfrenta o desafio de colher provas eficazes e suficientes para revelar, de maneira idônea, a realidade que tenha sido experimentada e vivenciada pelas partes.

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região

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